Por André Singer*
Alguns dados biográficos do líder do PMDB, Eduardo Cunha,
ajudam a entender a lavada, de 267 a 28, que o governo levou na votação da
última terça-feira, quando a Câmara decidiu criar comissão para investigar a
Petrobras.
Mais de um ano atrás, Janio de Freitas, referência do jornalismo
político brasileiro, já advertia que, com a presença de Cunha junto a Renan
Calheiros e Henrique Alves no comando do Congresso, Dilma iria ter
dificuldades. Na época, o jornalista lembrava que Cunha “é cria de Paulo César
Farias, que o pinçou do vácuo para a presidência da então Telerj, telefônica do
Rio”. Corria o ano de 1990. Não demoraria muito para que o mandato de Fernando
Collor de Mello fosse tragado por denúncias. No epicentro da debacle collorida
estava PC Farias.
Consta que Cunha aproximou-se do meio evangélico do Rio de
Janeiro. Filiado ao PPB (hoje PP), de Paulo Maluf, e com apoio religioso,
candidatou-se a deputado estadual em 1994, iniciando uma carreira política
própria, o que o levou a ser eleito para a Assembleia Legislativa daquele
Estado em 2000, galgando daí a passagem para a Câmara dos Deputados em 2002,
sempre pela agremiação malufista.
No meio desse caminho, alinhado à direita, nem por isso
deixou de participar do governo Garotinho (1999-2002), então no PDT, no Estado
do Rio. No entanto, as relações entre ambos depois se deterioraram. Por ocasião
da MP dos Portos, alguns meses atrás, os dois ex-colegas de administração
travaram carinhoso diálogo no plenário da Câmara, segundo relato de Merval
Pereira, de “O Globo”. O ex-governador do Rio disse que a emenda patrocinada
por Cunha cheirava mal e tinha motivações escusas. Em resposta, o ex-auxiliar
teria se referido a Garotinho como batedor de carteira.
Em 2006, Cunha reelegeu-se deputado federal, agora pelo
PMDB, sempre com apoio evangélico — em 2010, conseguiu 150 mil votos. A disputa
entre Cunha e Dilma vem desde o início do mandato desta, quando, após denúncias
em Furnas envolvendo, segundo o “Valor” (25/7/2011), um “grupo ligado” ao
deputado, ela nomeou para dirigir a estatal nome fora do círculo de influência
do parlamentar carioca.
Em 2007, Cunha havia segurado a Medida Provisória que
prorrogava a CPMF até Lula nomear indicação sua para a presidência de Furnas.
Maior empresa da Eletrobras, com orçamento bilionário e fundo de pensão
importante, Furnas é joia muito cobiçada. A perda do controle sobre a estatal
explicaria a posição belicosa do comandante do PMDB na Câmara em relação a
Dilma.
Em resumo, é quase um quarto de século de experiência
acumulada em controvertidas matérias republicanas. Convém não subestimar.
*André Singer é jornalista, professor e cientista político.
**Fonte: jornal Folha
de São Paulo - com o sítio Viomundo e http://o-boqueirao.blogspot.com.br/