Cada uma dessas tecnologias discursivas já foi abordada nos meus artigos. Elas se repetem, são combinadas, recuperadas, passam por um processo de sofisticação, mas, enfim, permanecem basicamente essas, atendendo a um processo de blindagem político-ideológica altamente bem sucedido, capaz de transformar o maior estelionato eleitoral da história do Estado em um evento tão incólume à imagem do governador quanto grave à cidadania. Vale discorrer um pouco mais sobre o Especial apresentado pela Folha de São Paulo de hoje a respeito da Crise da Água, com grande repercussão na página inicial do principal portal de Internet do país (
http://arte.folha.uol.com.br/ambiente/2014/09/15/crise-da-agua/gente-demais.html).
Primeiramente, já identificamos a excelente cortina de fumaça contida no título-justificativa para a crise hídrica na região metropolitana de São Paulo: “Gente demais”. A seguir, o texto destina longos parágrafos para atacar ocupações irregulares de mananciais, dando grande ênfase para uma, recente, do MTST, inserindo-a no contexto da administração municipal de Fernando Haddad – de forma com que o problema se torne “não-estadual”. Aqui, notamos uma interessante operacionalização do deslocamento de responsabilidades, sempre para fora do âmbito estadual: primeiro, destinando-a para o domínio municipal (o que constitui, ainda, uma boa oportunidade para atacar o PT); segundo, colocando a “culpa” em nós mesmos, cidadãos, e não na Administração Pública.
O pulo do gato, aqui, é que o “nós” não diz respeito à totalidade da população, mas sim ao “outro” da cidadania: quem faz ocupação irregular, quem, curiosamente, possui uma agenda relacionada ao direito de propriedade que não condiz com a linha editorial do jornal. É preciso ressaltar essa saliência importante porque “ocupação perigosa” para os mananciais, do ponto de vista da Folha, não é a das mansões e resorts situados em Bragança Paulista, nas beiras do – agora seco – reservatório Jaguari/Jacareí, mas sim o dos pobres e vândalos que moram na Billings e no Guarapiranga – “sequestradores de propriedades”. É evidente que as habitações em regiões de mananciais são problemáticas para a produção de água. A forma com que a Foha coloca a questão, contudo, nos mostra as maneiras com que desloca, para fora de Alckmin, a responsabilidade sobre a crise. Curiosamente, por exemplo, nada é falado sobre a legislação gestada e sancionada durante outro momento da administração do atual governador (2001-2), na qual ocorreu a anistia de mais de 1,6 milhão de habitantes dessas zonas, que deveriam estar protegidas.