Balconista bom de texto
Fui ao site da revista Paiuí atrás das revelações de Sandro Vaia, ex-diretor de redação do Estadão, e encontrei algo muito mais interessante: o relato, sob a forma de diário, do cotidiano de um balconista carioca de 21 anos, que traduz candidamente a dicotomia do cenário social do Rio.
É impressionante a capacidade de observação do rapaz. Comove a forma como ele conseguiu transpor para o texto sua dura realidade, com rara sensibilidade e sem ser apelativo. Extrai-se também dos escritos que Francisco – esse, o nome do garoto – é um cara de fibra.
O post ficou grande, mas, garanto, vale a pena ler.
Onze da noite é hora dos solitários
O cotidiano do balconista da seção de frios num supermercado de bacanas.
DE SEU POSTO NA SEÇÃO DE LATICÍNIOS DO SUPERMERCADO ZONA ZUL, LOJA 9, NA PRAÇA GENERAL OSÓRIO, EM IPANEMA, FRANCISCO É UM BEM HUMORADO OBSERVADOR DAS MANHAS E HÁBITOS DE SEUS FREGUESES. EM APENAS UM MÊS E MEIO NO POSTO, JÁ FEZ VÁRIAS AMIZADES. É O SEGUNDO EMPREGO COM CARTEIRA ASSINADA DESSE RAPAZ DE 21 ANOS QUE MORA NO BECO DO BICHEIRO, NA VILA VINTÉM.
2 de agosto, QUINTA-FEIRA – Às 13 e 20, saio de casa para apanhar o trem rápido, que passa às 14, e, no caminho da estação, encontro o tio de um amigo, que me dá os parabéns pela vitória do meu Botafogo. Uma figura, esse tio do meu amigo. Eu não entendia por que ele passava o dia inteiro na rua, para cima e para baixo, com umas gaiolas com passarinho. Aí conheci a mulher dele e entendi. Ela é muito feia.
Às vezes, consigo pular o muro da estação e economizo uma passagem. Não é muito, mas são 2 reais. Nos últimos dias não tem dado, porque o pessoal da ferrovia passou graxa em cima do muro e já vi um cara que pulou e ficou todo lambuzado. Recebo vale-transporte, mas, de qualquer maneira, uma parte vem descontada do meu salário, que é uma miséria.
Quando entro no trem, já fico esperando alguém com alguma história triste, uma doença. Trem é lugar desses papos. Todo dia tem um. Hoje apareceu um homem que precisava de dinheiro para comprar uma prótese de olho. Ele pedia o dinheiro e abria o olho para mostrar. Sempre que o trem passa pela estação Maracanã, fico olhando o prédio da Uerj. Um dia eu chego lá. Quero ser cirurgião ortopédico. Estou economizando para fazer o pré-vestibular. Já tenho 320 reais na gaveta perto da minha cama.
Falta pouco para o fim da viagem e estou vendo que, o tempo todo, uma gordinha não tirou os olhos de mim. Está dando muito mole, mas não adianta, tenho de trabalhar.
São 15 e 40, e chego ao trabalho de bom humor. Atendo um casal conhecido, seu Ricardo e a mulher. Ele gosta de comprar de tudo para os filhos, mas a mulher manda ele parar. “Pra quê tudo isso?”, ela diz.
Acaba o meu dia de trabalho e vou pegar o ônibus para a estação do trem. Chego em casa às 2 e meia da manhã, tomo um banho e desabo na cama.
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