segunda-feira, 27 de agosto de 2018

A guerra psíquica e a memória histórica

Quando a direita latino-americana planeja o esquecimento, pretende ocultar a verdade, aquela que aponta seus crimes.

Nestes tempos de capitalismo digital, da era da informação, com o big data como bandeira, o grau de ignorância se multiplica. A manipulação, a mentira e o esquecimento são armas numa guerra para minar a consciência. Trata-se de acabar com a memória, essa relação que nos une ao passado e faz do ser humano um ser social que vive e se responsabiliza com seus congêneres.
A contra-corrente, negar o papel da memória traz consigo romper a condição humana. Se a história se reduz a um conjunto de datas e épocas, que sentido tem perguntar o vínculo entre a bomba atômica e a decisão de lança-la? A quem responsabilizamos? Não tem um objetivo recordar se tal exercício não vá precedido de um ato em que o imperativo do dever se module a conduta. Atualmente, a renúncia à memória histórica, forma específica de memória, a cultural, tem enormes consequências para o futuro da humanidade.
A maneira de viver o mundo que nos propõem assemelha a um computador no qual se podem instalar programas desejáveis, inconexos, cuja função consiste  em entreter, despistar, não pensar e bloquear o acesso ao disco rígido. Somos apêndices dos algoritmos. Pensamos de maneira linear e rompemos o sentido não linear da existência. Assistimos à guerra psíquica de última geração, criar operadores sistêmicos, submissos na hora de receber e cumprir ordens.
Controlam-se os gostos, afetos, sentimentos, emoções, caráter. Não há ancoragem. Toda forma parte de um sistema caracterizado pela imediatez, pela velocidade e aceleração do tempo. Está proibido refletir. A nova inquisição atua de maneira invisível. Não precisa recorrer à violência física, ainda que não deixe de faze-lo. Agora trabalha na rede. Megas de internet, dispositivos sofisticados para não pensar. Agir, agir e agir. Vive-se um presente perpétuo.
A militarização do poder implica trasladar o sistema militar hierárquico às relações humanas cotidianas na vida civil. Para consegui-lo é obrigado a romper a vontade. O ser humano é atacado em sua natureza fazendo de migalhas uma de suas qualidades: a capacidade de juízo crítico sob  um componente ético e moral. O ser humano se faz migalhas. A vida se constitui em fragmentos. Robots alegres, pragmáticos, empreendedores, todos empoderados, sem uma grama de consciência coletiva. Maneira eficaz de anular as responsabilidades que são derivadas dos atos que cometemos.
A cibernética e a informática são as armas para consegui-lo. Não por seu princípio, mas sim pelo controle que o complexo militar industrial e financeiro fazem das tecnociências. Os livros de inteligência das grandes potencias tem conseguido trasladar o campo de batalha. Não mais Waterloo, Verdun, Stalingrado. Os mortos no corpo a corpo e baioneta calada se convertem em vítimas de novas armas estratégicas da guerra psíquica: Google, Facebook, Amazon, Microsoft, Twitter.
Sem memória, sem história, sem narrativas, não há opção de conhecimento, não há passado. Nossa responsabilidade consiste em trazer ao presente esse passado que nos condiciona, une e nós faz humanos. Não é possível fugir dessa responsabilidade. A memória coletiva é resultado de um processo, um diálogo permanente que mostra a relação biológica que nos une com nossos antepassados e o processo social e cultural. Supõe compartilhar filogeneticamente um tronco comum. Como assinalam os biólogos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana: a partir de um ponto de vista histórico,  o anterior é válido para todos os seres vivos e todas as células contemporâneas. Compartilhamos a mesma idade ancestral. Por isto, para compreender os seres vivos em todas as suas dimensões e com isso compreendermos a nós mesmos, faz-se necessário entender os mecanismos que fazem do ser vivo um ser histórico. Quando deixarmos de faze-lo só ficará viver a morte. Então nada unirá os seres humanos.
Tomar responsabilidades ético-morais frente ao passado implica reconhecer os erros cometidos, e no dizer de Enrique Florescano: responder por eles e fazer as reparações do caso às vítimas e a seus descendentes.
Quando a direita latino-americana planeja o esquecimento, pretende ocultar a verdade, aquela que aponta seus crimes, genocídios e assassinatos. Por isso renegam a memória e a consciência.

La Jornada

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