quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Sabem os homens fazer amor

Sexualidade & Pós-machismo

Lidia Falcón
www.publico.es

Sobre o desencontro afetivo-sexual na época atual pós-moderna entre homens e mulheres por causa de uma socialização a partir do ponto-de-vista patriarcal da sexualidade masculina.

Minhas amigas e confidentes jovens me confessam outra preocupação que as torturam depois de saberem-se enganadas por seus pares. A torpeza que mostram, já enamorados, nas lides da sexualidade.
Torpes e egoístas, me dizem. Não todos, acrescentam, mas sim a maioria. Eles são tão machões, acham que sabem tudo, e o realizam tão rápida e bruscamente, sem ter com seu par a delicadeza e o jogo prévio que toda mulher deseja. E isso depois de se acharem conquistadores e especialistas.


Dizem a eles? pergunto a minhas interlocutoras, e, pondo-se acessos me replicam, oh não, não se pode dizer, ficaram ofendidos. O que é, vergonha, pudor? "Sim, também, mas é que ele não te escuta nem se concentra em ti. Como é muito homem se acha um sabe-tudo". E enquanto elas  não se atrevem a manifestar-lhes seu desencanto por não incomoda-los eles atuam com total prepotência e segurança, sem que lhes inquiete qualquer aceitação de seu para.

Penso nos anos heroicos do feminismo, quando saíamos das trevas franquistas, e organizamos cursinhos, encontros e discussões sobre sexualidade, ansiosas por aprender o que a educação nacional-católica nos havia roubado. Eram os tempos em que clandestinamente se conseguiam os livros de Freud, de Melanie Klein, de Alexandra Kollontai, de Simone de Beauvoir, de Marie Bonaparte, de Wilhelm Reich, que líamos e absorvíamos como esponjas.

As primeiras lições foram de anatomia, já que a maioria das mulheres sequer conheciam seu próprio corpo. E foi importante para aquelas gerações conseguir a aproximar-se às outras companheiras, compartilhar as noções fundamentais de sexualidade feminina e exigir de seus companheiros de cama a cota de prazer que lhes pertencia.

Nos prematuros anos 60, Eliseo Bayo e eu nos lançamos a fazer uma pesquisa sobre o comportamento sexual dos homens espanhóis. Eu havia comprado clandestinamente os Estudos de Kinsey. Aquele trabalho monumental que Kinsey, Pomeroy e Martin, os professores da Universidade de Indiana realizaram nos anos 50 nos EEUU investigando a verdadeira conduta dos estadunidenses na arte de fazer o amor. Não o que ditava a puritana e hipócrita moral oficial e nem o que presumiam os textos pornográficos. Depois os trabalhos de Johnson y Johnson de pesquisa prática com dezenas de casais que participaram. E publicamos umas reportagens que estremeceram a assustada e pacata sociedade espanhola.

Não sei quantos de meus compatriotas, que não sejam profissionais da pesquisa sexual, conhecem atualmente os trabalhos de Kinsey e Johnson ou a magna obra de Wilhelm Reich. Certamente nem todas as participantes do Movimento os leram, mas para as que divulgamos e trabalhamos e discutimos em seu estúdio chegamos a várias gerações de jovens que realizavam suas primeiras armas na difícil arte da sexualidade.

Atualmente observo que nos cursinhos, oficinas, encontros e debates feministas a sexualidade está excluída. Suponho que até o mundo feminista entenda que a liberalidade com que se expressam -tantas vezes vulgar- os escritores, os meios de comunicação, os participantes nos programas televisivos, professores e políticos, significa que não há mistério nem segredo que as mulheres e os homens ignorem sobre tal atividade humana.

E vejo, triste e espantada, que a principal fonte de informação sexual para os jovens, quase meninos, é a pornografia. Difundidas até a náusea por revistas e vídeos tem sobretudo seu suporte na internet.

Já naqueles primeiros anos, o Partido Feminista levou adiante uma oposição ativa à legalização da pornografia, que começava a inundar as salas de cinema. Não podíamos imaginar o veículo digital. Mas sim sabíamos que a pornografia está baseada no desprezo pela mulher. Em seus horríveis produtos, os homens desfrutam impunemente de corpos femininos para obter orgasmos rápidos com práticas agressivas e até cruéis.

Minhas discussões com o pornógrafo mais respeitado daqueles tempos nos meios de comunicação Román Guben, que pontificava diariamente sobre a bondade da pornografia, não evitaram que já não se faça distinção entre o erotismo e a pornografia, e que os cultos, sábios, modernos e pós-modernos especialistas do sexo, tacharam as feministas de retraídas, tolas, reprimidas, dominadas pela moral católica, e outras lindezas semelhantes. Alguém suponho que afirmou também que estávamos mal fodidas, como acusavam os estudantes franceses de 68 às feministas que começavam a planejar reivindicações. Até que estas retiraram um enorme cartaz que colaram na sacada da Universidade de Nanterre que dizia: "Todas estamos mal fodidas". Parece que induziu alguns ao silêncio.

E isto é o que deveríamos divulgar hoje, cinquenta anos mais tarde. As netas e bisnetas das "soixante-huitards" continuam mal fodidas. E podem planejar as mesmas queixas que seus antepassados. Desapego, impaciência, brusquidão e egoísmo que em tantas ocasiões vigoram nos homens a relação paquera, sedução e consumação do ato sexual. Com uma absoluta indiferença pela sensibilidade, ignorância ou retardo no gozo de sua companheira.

Os agressores da Manada, os jovenzinhos das últimas violações em Málaga, em Vitoria, em Cádiz, explicam que a pornografia é seu manual de referência que os guia desde a absoluta ignorância adolescente à realização das fantasias que abonam as imagens que se transmitem a velocidade astronômica pelas telas de computadores e de celulares. Imagens de violações, maltrato, exibição dos corpos e dos coitos. Humilhação das mulheres e triunfo machista dos homens.

O desprezo pela mulher nestes tempos está sendo movido pelas potentes empresas de pornografia, que tem o melhor mercado: a inquietação e a incultura dos jovens. Parece que a informação sexual que se dá nas diversas escolas é incompleta, vergonhosa, e destinada sobretudo a evitar gravidez e enfermidades de transmissão sexual. E nada sobre o complexo processo de realizar um amor prazeroso, sofisticado, respeitoso com sua companheira.

Se elas se atreverem a conceber seus desejos e exigências, estariam hoje qualificadas por seus companheiros de cama como reprimidas e tolas ou os jovens aprenderiam a aceitar ver-se na imagem que elas transmitem?

Aprenderiam a moderar suas impaciências, a controlar seu testosterona e a desfrutar do mais refinado prazer de ir descobrindo os segredos da capacidade mais misteriosa e prazerosa do ser humano, que é a sexualidade?

A que tem levado essa proliferação de imagens destinadas unicamente a exibir corpos formosos de mulheres, que são utilizados grosseiramente pelos homens? A aumentar o consumo de prostituição e de agressões sexuais. A acreditar que o prazer sexual se pode comprar ou alugar como o fazem os proxenetas. A entender a sexualidade como violência e não como sensibilidade, engenho e habilidade. Se a sexualidade masculina se satisfaz com quatro práticas elementares, para que perder tempo em cortejar, em fazer insinuações eróticas, em fazer carícias prévias e diálogos excitantes? Como algumas espécies animais, se vai ao coito rapidamente e tão contente.

Mas nem todas as espécies animais são tão bruscas, em algumas o cortejo leva muitas horas de exibição de suas qualidades, de suas características especiais, de seus adornos e beleza. De cantos especiais que embelezam no rouxinol, de esfregações repetitivos e extenuantes no gafanhoto, do arrulho das pombas, da exibição das penas do pavão real. E os jogos dos hominídios, variados e engenhosos: esfregando folhas para fazer ruído e chamar a atenção, saltando galhos, praticando o sexo oral.

E agora são os homens os que imitam aos mais rudes e elementares de seus antepassados.

Fuente: https://blogs.publico.es/lidia-falcon/2018/08/10/saben-los-hombres-hacer-el-amor/

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