A utopia anarco-feminista alcançada?
El desconcierto
As mulheres kurdas, tentam destruir o menosprezo colonial com sua cultura e ter a responsabilidade de suas próprias vidas e decisões. Se juntam e discutem a forma em que a dominação do sistema patriarcal mantém seu poder através da separação entre uma mulher e outra. Não só estão lutando por sua libertação, mas também pela de todas as mulheres do mundo. |
Foi em 2011 que o movimento kurdo de libertação declarou sua intenção de construir um novo modelo de sociedade baseado no confederalismo democrático. Posteriormente, em 2012 ocorreram uma série de levantamentos populares com o fim de libertar as cidades e os povoados de Rojava onde habitavam majoritariamente kurdos e kurdas, e que estavam sob a ditadura de Ba'ath. Assim, o movimento estabeleceu um novo sistema democrático e em 2014 declararam pela primeira vez sua autonomia democrática.
O Partido dos Trabalhadores do Kurdistão (PKK) foi uma das organizações chaves que gerou e fortaleceu o movimento kurdo de libertação. O PKK foi fundado em 1978 pelos revolucionários/as kurdos/as e turcos/as, entre aqueles se encontravam seus líderes Abdullah Ocalan e Sakine Cansiz, que criaram este partido como um movimento de libertação marxista-leninista. Em meio a uma intensa atividade política onde o regime Ba'ath na Síria estava contra o governo turco pela propriedade sobre a água, o PKK inicia a guerrilha contra este Estado, que os/as estava reprimindo violentamente e que ocupava o norte do Kurdistão em 1984. Tanto os homens como as mulheres kurdas e/ou simpatizantes se uniram a esta guerrilha, o que marco esta participação das mulheres desde o início e que logo se traduziria na criação do exército de mulheres chamado A União de Mulheres Livres do Kurdistão (YAJK). As mulheres então se uniram à guerrilha e rechaçaram as tradicionais diretrizes patriarcais e criaram uma nova diretriz de lutadoras da liberdade. Assim, nas montanhas do Kurdistão, as mulheres criaram princípios de organização autônoma entre mulheres, uma liderança dual, e o requisito de existisse um mínimo de 40% de participação das mulheres em todas as áreas, aspectos que hoje se aplicam a todas as regiões do Kurdistão.
Öcalan foi preso em 1999 pelas forças especiais turcas graças à intervenção da CIA. Inicialmente o líder do PKK foi sentenciado a morte, mas graças a sua intervenção legal através de um acordo de paz, chegou-se ao confinamento solitário na prisão. Foi ali que Öcalan começou a estudar e referenciar os escritos do teórico libertário Murray Bookchin, historiadores como Wallerstein e Foucault, além de alguns movimentos sociais como o dos zapatistas. Graças à aprendizagem destas experiências e teorias, Öcalan cria o modelo do Confederalismo Democrático e a Autonomia Democrática.
O confederalismo democrático é um dos princípios do municipalismo libertário, a ecologia social e o feminismo. É um conceito para representar a democratização radical da sociedade, onde a diretriz e participação da mulher é de primeira importância, pois tal como diz o líder do PKK, "um movimento não tem oportunidade de criar uma sociedade livre real e duradoura a menos que a libertação das mulheres seja uma parte essencial de suas práticas" (tradução própria de Revolution in Rojava, p.43). Assim mesmo, este novo sistema social propõe uma administração política própria, onde todos os grupos da sociedade e todas as identidades culturais possam expressar-se nas reuniões locais, convenções ou conselhos. Busca-se a integração da sociedade como um todo e o político é parte da vida diária. Assim, esta revolução baseada no confederalismo democrático se compreende como anti-estatal, pois funciona por meio de uma economia comunal, isto é, cada comunidade tem uma autonomia; e anticentrista, com um trabalho desde a base. Em outras palavras, "enquanto a nação democrática seria o espírito, a autonomia democrática representaria o corpo".
O mais interessante e distinto nesta revolução, em comparação a todas as que tivemos na história, é que o ponto central é a libertação da mulher. As e os kurdos estão criando uma sociedade livre do Estado, e para consegui-lo sabem que primeiro devem vencer o patriarcado. E esta ideia está na base tanto da democraticamente organizada em comunas, como do confederalismo em maior escala.
As mulheres kurdas, em meio a uma cultura e região onde ao serem violadas são abandonadas por suas famílias por ser uma vergonha, ou são assassinadas para salvar a 'honra', nos tem (de)mostrado que a emancipação da mulher pode ocorrer sob qualquer circunstância e lugar se houver organização, autodefesa e camaradagem. As mulheres tem enfrentado a cultura no mundo islâmico que não só desdenha a mulher abusada e/ou violada, mas também onde a 'honra' do homem se encontra na habilidade de controlar as mulheres e as meninas.
Quinze anos depois da prisão de Öcalan, eram principalmente as mulheres aquelas que apoiavam o movimento de libertação, pois sabiam que nesta filosofia arraigava sua liberdade e igualdade. As mulheres kurdas, tentam destruir o menosprezo colonial de sua cultura e tomar responsabilidade de suas próprias vidas e decisões. Se juntam e discutem a forma em que a dominação do sistema patriarcal mantém seu poder através da separação entre uma mulher e outra. Estas mulheres não somente estão lutando por sua libertação, mas também pela de todas as mulheres do mundo. Seu princípio é criar novos valores que se contraponham à cultura materialista do patriarcado, e reconfigurar os meios de expressão próprios das mulheres, sua arte e sua cultura. Portanto, se é que existe algum referencia do feminismo que as mulheres e seus aliados/as devemos olhar, esta é o Kurdistão e sua revolução. Se elas o estão conseguindo em meio a uma guerra, uma cultura de dominação masculina e um aprisionamento familiar, nós também podemos.
Fonte: http://www.eldesconcierto.cl/2018/08/22/la-utopia-anarcofeminista-alcanzada-la-revolucion-de-las-mujeres-kurdas-y-lo-que-debemos-aprender/
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