Pretendia escrever a coluna de hoje sobre as discrepâncias entre as mais recentes pesquisas do Ibope e do Datafolha. Mas mudei de idéia ao ler matéria publicada no Estadão desta segunda-feira sob o título “Rigor com a corrupção na política varia com região e condição social” e o subtítulo “Eleitor do Nordeste expressa maior tolerância com desvios do que o do Sudeste”. É séria candidata ao primeiro lugar da campanha “Vamos envenenar este país” em curso em muitos jornalões brasileiros.Encontrei essa notícia via RSUrgente.
Jogando com números de uma pesquisa do Ibope que não prova nada, a matéria tenta sustentar a tese de que os nordestinos, os pobres e os negros dão menor valor à questão ética do que os habitantes do “Sul Maravilha”, os ricos e os pobres. Diz o Estadão: “No Nordeste, 10% dos eleitores declaram que votariam em político acusado de corrupção – índice próximo do Norte/Centro-Oeste, que é de 9%. No Sul e no Sudeste, esses índices são de 6% e 7%, respectivamente”.
Na realidade, as variações são mínimas, estão dentro da margem de erro da pesquisa e não indicam absolutamente nada. Aliás, se alguma coisa pode se depreender desses números é que, na valoração da questão ética, há um padrão razoavelmente homogêneo nas diferentes regiões do país – e não o contrário.
Mas há mais. O Estadão avalia também que a pesquisa do Ibope permite estabelecer relação entre cor de pele e rigor moral: “Os que se autodeclaram brancos são mais implacáveis com a ética: 88% não votariam num corrupto; os que se autodeclaram pardos cobram menos e 85% não votariam em indiciados por corrupção; mas os que se autodeclaram pretos são os menos rígidos com a ética: só 82% negam o voto a corruptos”. Queira-se ou não, a idéia que se passa é de que, quanto mais escurinha for a cor da pele, maior será a frouxidão com valores éticos.
Tenha a santa paciência. Está claro que o jornal tinha uma tese. Encomendou a pesquisa para dar-lhe sustentação, digamos, científica. O levantamento, porém, não comprovou o postulado (ou o preconceito). Se houvesse bom senso, arquivava-se o assunto. Mas, como alguém quer provar, sabe-se lá por quê, que o povão não “está nem aí” para a corrupção e que nossa elite tem padrões morais dignos de Catão, a pesquisa rendeu matéria.
Mais um pouco e descobriremos que os pobres, os nordestinos e os negros são os responsáveis pela corrupção no país, que os ricos não têm nada a ver com isso, que em São Paulo nunca se pagou nem se recebeu propina e que os brancos sempre repeliram com veemência a idéia de pagar ou de levar um “por fora”.
Não sei por quê, mas lembrei-me do samba “Não é conselho”, de Dário Augusto e Nilcéia Gomes, gravado em 1993 pelo grande Bezerra da Silva.
Clique para ouvir>>>
“É, doutor, isso é um alô,
Não é um conselho,
Mas não foi o preto quem botou
O meu Brasil no vermelho
Quando a coisa não vai bem
Eles dizem logo que está preta
Mas não foi o preto que travou
A grana da caderneta
Juro alto, inflação,
Mutretagem, mordomia
Mão não foi o preto
Quem botou o povão nessa agonia...
Como a maioria dos sambas cantados por Bezerra da Silva nessa fase, ele pega pesado. Mas que tem gente também pegando pesado demais nessa campanha, tem. Como dizem os jovens: “menos, gente, menos”. É muito fácil envenenar um país, e muito difícil desintoxicá-lo depois. É como o adolescente que cai na droga. Para entrar na onda, bastam meses (e alguma revolta). Para sair dela, às vezes, são necessários anos (e muito sofrimento). [...]
segunda-feira, 25 de setembro de 2006
Elite branca apela para o racismo - e só comprova que é racista
Na tentativa de justificar porque os brasileiros não os seguem na sua cobertura pouco profissional (para pegar leve) das eleições os jornais familiares começam a apelar para o racismo. A idéia básica é mostrar que eles, brancos cultos, são moralmente superiores aos negros e pardos incultos que formariam a maioria da população. A notícia e avaliação é de Franklin Martins:
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