quarta-feira, 2 de maio de 2018

Da guerra anticomunista à guerra anti-corrupção

Ollantay Itzamná

A guerra contra a corrupção é tão falsa como foi a guerra contra o comunismo.

Durante o século XX, em especial em sua segunda metade, a América Latina foi um campo sangrento da falsa guerra anticomunista jamais vista no mundo ocidental.

Somente na Guatemala, os projéteis 'made in USA', assassinaram mais de 200 mil pessoas inocentes (cerca de 90% indígenas). O Plano Condor, na América do Sul, deixou cenários dantescos similares perseguindo comunistas inexistentes.

Nesse período, o defensor da democracia derrubou presidentes constitucionais, e promoveu ingentes golpes de Estado. Cooptou os órgãos executivos dos estados centenários com militares servis para aniquilar as legítimas expressões políticas de emancipação.

Décadas depois, os povos sobreviventes daquele holocausto constatamos que a Doutrina de Segurança Nacional e sua guerra anti-comunista, não só era falsa, mas também uma efetiva dose de veneno social que paralisou sócio-politicamente por várias décadas. Enquanto isso, a desigualdade, a miséria, e o saque violentos de nossos bens comuns fizeram gemer até os próprios deuses e demônios insensíveis do céu longínquo.

A aurora do século XXI nos encontrou, a muitos povos latino-americanos, com brios de liberdade e vontade para prosseguir com nossos processos emancipatórios truncados. E, em menos de duas décadas, nossos governos progressistas (com políticas de investimento social e redistribuição direta de renda) conseguiram tirar da condição de pobreza mais de 60 milhões de latino-americanos.

Assim, estes governos dignos fizeram retroceder as porcentagens de pobreza e desigualdade a nível global na região. Enquanto isso, em países como os EEUU, México, Guatemala, Honduras, Colômbia, Peru e outros, no mesmo período, milhões de pessoas da classe média ingressaram nos nichos de pobreza, com descomunais dívidas públicas.

Neste contexto, e ante os soberanos acordos de integração latino-americana sem a presença norte-americana, aparece a farsante e midiática guerra anticorrupção. Com o argumento de: a corrupção pública é a causa do atraso dos povos latino-americanos.

Ninguém duvida que a corrupção pública seja um mal a superar. Mas, este mal é apenas um lubrificante do mal maior. Isto é, o mal fundamental da desgraça de nossos povos é o sistema hegemônico vigente que nos saqueia, explora e subordina. A corrupção pública é só um óleo que lubrifica o saque que sofremos.

Mas, a hegemonia midiática (aceita pela corrupção) conseguiu instalar no vulnerável imaginário coletivo de muitos povos da América Latina a ideia sobre a corrupção como pecado original de suas desgraças. E, em consequência, esquecer-se do crescente saqueio multidimensional que sofremos.

A guerra anticorrupção é para aniquilar e escaldar incômodos governos progressistas na região.

Uma vez configurado os sentimentos "pátrios" contra a corrupção, os gringos, mediante os órgãos judiciais dos países sob seu controle, sentaram no banco dos acusados todos os governantes latino-americanos que defenestraram o projeto de anexação comercial denominado Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), EM 2005.

Hugo Chávez, Néstor Kirchner, foram demonizados na alma latino-americana antes de serem linchados judicialmente. Ao legendário Lula do Brasil, que tirou da pobreza cerca de 50 milhões de pessoas, o lincharam judicialmente, sem respeitar o devido processo. Com a evidente intenção de prevenir um terceiro governo dele.

Evo Morales,, da Bolívia, Daniel Ortega da Nicarágua, Rafael Correa do Equador, Nicolás Maduro da Venezuela, e outras/os, não participaram do IV Encontro das Américas no Rio da Prata. Mas a ordem para o linchamento judicial já estava em movimento.

O ridículo desta falsa guerra contra a corrupção é seu caráter de duas medidas. Enquanto isso os sistemas judiciais, operacionados pela cooperação técnica e financeira gringa (USAID), são ágeis para sentenciar/encarcerar funcionários ou ex-funcionários de governos progressistas, mas com os corruptos neo-liberais são lentos e permissivos.

Fizeram crer aos guatemaltecos e latino-americanos sobre a eficiência da luta contra a corrupção na Guatemala. Inclusive encarceraram a dois ex-presidentes, envolvidos em atos de corrupção. Mas a três anos da apoteótica inauguração desse teatro, não existe sentença judicial condenatória alguma contra os ex mandatários. E mais, estes ex-governantes vivem num quartel militar exclusivo, com todos os serviços necessários que milhões de guatemaltecos "livres" não tem. Esperando o descumprimento oportuno. Enquanto isso, são bodes expiatórios no teatro gringo da luta anticorrupção.

O Peru, é outro caso de sociedade teledirigida enganada com o vulgar teatro da luta contra a corrupção. Aplaudem e festejam as momentâneas detenções judiciais de seus ex-governantes corruptos e neo-liberais. Mas, este saem livres dos cárceres e são recebidos como heróis pelos gringos nos EEUU.

Por que o presidente Macri da Argentina, ou Temer do Brasil, com denúncias e evidência de atos de corrupção, não são destituídos e encarcerados? Por que os ex-presidentes Fujimori, Garcia, Toledo, Humala, Kuczynski... andam soltos pelo mundo?

O peruano ou o guatemalteco médio acredita que os agentes e ex-agentes dos governos progressistas latino-americanos são os mais corruptos. Mas, enquanto se distraem crédulos no teatro de mau gosto da luta contra a corrupção, consórcios norte-americanos, canadenses e outros rapinam e saqueiam as riquezas comuns que ainda restam nestes povos.

Em outras palavras, a guerra contra a corrupção é tão falsa como foi a guerra contra o comunismo. Os gringos, nestas duas últimas décadas ocuparam mediante a USAID e outras agências de cooperação os órgãos judiciais para operacionalizá-las para seus interesses e vingar-se dos governantes latino-americanos "mal educados" que abortaram a ALCA.

Neste sentido, a ditadura ianque jamais terminou na América Latina. Só mudou de uniforme. Antes operaram os órgãos executivos, com homens de uniforme militar. Agora, operam a partir de órgãos judiciais, com civis de toga e terno. O objetivo é o mesmo: castigar e sabotar qualquer processo de emancipação dos povos. Mesmo eles sabendo mais que ninguém que a corrupção pública é para o sistema neo-liberal o que o óleo é para o motor.


CALPU

Texto completo em: https://www.lahaine.org/de-la-guerra-anticomunista-a

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