Meses atrás assisti um filme muito bonito, chamado Apenas um Sonho (Revolutionary Road, o título original, como sempre é magistralmente distinto da tradução para o portuguès), com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet. A história me lembrou a ditabranda (quem não souber do que estou falando, entre aqui). Explico. A personagem principal percebe que sua existência é vazia. O marido, DiCaprio, é um executivo de uma empresa sem grandes ambições a não ser trabalhar o menos possível e curtir a vida. Mas é um homem criativo, inteligente, divertido e, claro, atraente (estamos falando do horroroso DiCaprio). Sua esposa, Kate, continua perdidamente apaixonada pelo marido.
(...)
Por que, então, lembrei da ditabranda da Folha de São Paulo?
Porque esse tipo de coisa nunca é computado na balança da história. Os editores da Folha, quando avaliam a gravidade da ditadura militar, não olham nunca para os sonhos destruídos de milhões de brasileiros. Para o sonho destruído de toda uma nação! As décadas de 60 e 70, em todo o mundo desenvolvido, foram anos de entusiasmo, glória, aventuras, arte, revolução, e sobretudo muita liberdade e muita democracia. O Brasil não pôde viver esse momento. Enquanto os EUA e Europa viveram anos de juventude, amor, revolução sexual, engajamento político e tomada de consciência, o Brasil viveu um período de retrocesso democrático e miséria intelectual.
Esse excelente texto foi escrito pelo Miguel do Rosário e está em seu blog "Oleo do Diabo" desde 27 de abril. Reconheço a gravidade da falta que cometi ao deixar passar tanto tempo sem apresenta-lo neste espaço. Sugiro aos que frequentam o blog assistir o filme citado pelo Miguel. Pode parecer não haver relação entre o filme e a tragédia da ditadura no Brasil mas, como o próprio autor do texto nos diz trata-se dos "sonhos destruídos" de milhões de seres humanos, brasileiros, e da "destruição de uma nação" que estava caminhando para as mesmas revoluções que aconteceram nos paises democráticos e que foram reprimidas aqui pela ditadura militar.
3 comentários:
Então, Zé Justino, sobre Foi Apenas um Sonho, escrevi um esquecível comentário no Voltas em Torno do Umbigo. Se quiseres, confira.
Conferi e gostei, Zealfredo. Complementa o texto do Miguel e por isso vou utilizar os dois nos bate-papos em família a respeito de filmes. Aqui, somos todos cinéfilos fanáticos além de chocólatras. Como você mesmo deixou no final do texto, o diretor tenta esclarecer algumas questões mas não oferece respostas para elas.
Uma coisa que desperta alguma curiosidade é o nome "Revolutionary Road". Traduzindo como "Via Revolucionária" a expressão aparentemente pareceria fora de contexto. Se fosse "Caminho Revolucionário" seria menos radical que o anterior mas teria a mesma conotação. Pensando nisso vejo na expressão uma forma de pensar numa mudança de vida, uma negação total do quotidiano, que fosse literalmente revolucionária. Isto é, uma mudança radical que envolveria abandonar praticamente emprego, vizinhança, amizades, cidade e até o país. Mas, o autor da obra apresenta os personagens principais descontentes e atormentados que vivem (e muito bem em suas pequenas mansões) às margens do Caminho Revolucionário.
Um dos personagens secundários, o matemático, não escapa também da marginalização apesar de enxergar sua "prisão" pequeno-burguesa. O sujeito acaba na dependencia dos pais após seus tormentos existenciais e hospedagem num manicômio ou qualquer coisa nesse gênero.
Daí, fica a impressão da extrema dificuldade de abandonar tudo e escapar, para revolucionar (cfe. a canção "Cheia de Charme", do Guilherme Arantes), sobrando apenas a aceitação da cooptação (da empresa, para um, dos pais para o outro) ou a libertação absoluta sem entrar mais em detalhes para não ser acusado de falador.
A via revolucionária, como as ruas, representam movimento e transformação para quem entra nela e não para quem fica às suas margens.
E como você disse também, é possível dizer muitas outras coisas mas pode-se correr o risco de acabar contando o filme todo.
Eu já havia citado aqui um texto do Digestivo Cultural, a respeito do livro de Richard Yates, que serviu de base para o roteiro do filme do Sam Mendes. Revolutionary Road é a ruazinha do subúrbio em que o jovem casal vai morar, e provavelmente uma amarga ironia do autor, em cima deste casal que se imagina tão especial, mas que acaba caindo numa vida tão ordinária quanto a maioria das pessoas que os rodeiam.
Um grande filme, numa interpretação impressionante da Kate Winslet. Pra mim, que sou mais velho e mais feio que ela, parece que as rugas dela a tornam ainda mais bela.
[]
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