quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Preciosismos

Para Bush, o mínimo que se poderia dizer era: assassino!

Lendo algumas edições de ZH da semana que se encerra, deparo com um detalhe que me causou curiosidade em uma notícia: o jornal colou ao nome de Fidel Castro a alcunha de ditador. O texto era sobre um fato prosaico, típico de agendas presidenciais, e iniciava-se assim: "O encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ditador de Cuba Fidel Castro na próxima semana depende do aval dos médicos que tratam [do] presidente cubano". E seguem-se as linhas, sem maiores sobressaltos ou revelações.

Não pretendo discutir aqui o acerto ou não em classificar Fidel como ditador, mas o que me espanta é o preciosismo, a opção semântica, a postura ideológica revelada pela escolha da palavra por se tratar de tema concernente à Cuba. Se a motivação e o princípio fossem equânimes a qualquer sujeito, deveríamos ver estampadas nas páginas do jornal coisas do tipo:

- o assassino George W. Bush, que, comprometido com a indústria bélica e petrolífera do seu país, fez de tudo para tentar legitimar a invasão do Iraque...

- o torturador George W. Bush, responsável por métodos de depoimentos que ferem gravemente os direitos humanos de cidadãos muçulmanos ou de ascendência árabe sem nenhum vínculo com atividades terroristas...

- o irredutível George W. Bush, que não assinou o Protocolo de Kyoto, causando graves danos ao ambiente...

- o intervencionista governo norte-americano, que manteve uma esquadra no litoral brasileiro em 1964 para entrar em ação caso o golpe dos militares não desse certo...

- o ex-governador Antônio Britto, que privatizou o sistema de telefonia do Estado e depois passou a compor o conselho de administração de um dos bancos envolvidos na operação...

- o ditador Getúlio Vargas...

- o ditador Ernesto Geisel, o ditador João Baptista de Oliveira Figueiredo, o ditador Emílio Garrastazu Médici... o mesmo valendo para seus comparsas de farda que encostaram a baioneta no Palácio do Planalto e se autodenominaram estadistas...

- o governo de Israel, que mantém há décadas uma política intervencionista e não devolve as terras que tomou de países vizinhos...

- o esperto José Serra, que - acertadamente, deve-se reconhecer - estimulou a produção de medicamentos genéricos, ao mesmo tempo em que seu filho é dono da maior fábrica brasileira do gênero...

- o displicente prefeito de Porto Alegre, que transformou a malha viária em uma sucessão de buracos...

Seria interessante, bem interessante se os jornais fossem tão realistas e fidedignos como nas ocasiões em que chamam Fidel de ditador. Para Bush, o mínimo que se poderia dizer era: assassino!

Texto do Cacto.

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