Ana Catarina - As FARC são apresentadas, nomeadamente na Europa, como guerrilha terrorista e os seus dirigentes acusados de envolvimento no narcotráfico. O tema dos sequestros é muito utilizado nas campanhas contra vocês. A sua manipulação é tão eficaz que conduz à dúvida, inclusive, pessoas progressistas. O que tem a dizer sobre o assunto?
Juan Leonel - Na nossa história sempre houve calúnias para deslegitimar a guerrilha. Primeiro chamaram-nos bandoleiros e assassinos. Depois, quando existia o campo socialista, o embaixador Louis Stamb apelidou-nos de narco-guerrilha, logo utilizado pelos meios de comunicação. Como não dispomos praticamente de imprensa é essa a informação difundida pelo mundo.
Depois do 11 de Setembro passaram a chamar-nos narco-terroristas. E essa mentira, mil vezes repetida, começou a surtir efeito, inclusive entre amigos nossos que acreditam que mantemos relações com o narcotráfico.
Mas vou citar-lhe um episódio que ajuda a compreender a falsidade dessas acusações.
O comandante Simón Trinidad foi extraditado para os EUA acusado de terrorista e narcotraficante. Mas os dois julgamentos a que até agora o submeteram foram anulados. Os jurados não puderam chegar a um consenso no tocante à culpabilidade de Simón com base nas acusações contra ele formuladas e que figuram no pedido de extradição.
A Justiça norte-americana sofreu um estrondoso fracasso. Simón Trinidad demonstrou de forma simples e com coragem que todos os argumentos da acusação configuravam uma montagem contra as FARC. Nesses dois julgamentos ficou desmascarada a falácia dos governos dos EUA e da Colômbia, pois não conseguiram dar credibilidade a qualquer das acusações de terrorismo e narcotráfico formuladas contra Sónia e Simón.
No Ponto 10 da Plataforma para um Governo de Reconstrução e Reconciliação Nacional, as FARC afirmam que o narcotráfico é um problema social pelo que a solução terá de ser política e não militar.
As FARC apresentaram a 28 países amigos e ao governo colombiano uma proposta para implantação de um Plano de Substituição de Culturas. Mas esse Plano não foi assumido nem pela comunidade internacional nem pelo governo colombiano.
O narcotráfico é a antítese de qualquer movimento revolucionário por ser um meio de enriquecimento rápido e ilícito. Os revolucionários defendem a distribuição da riqueza.
Ana Catarina - E quanto aos sequestros?
Juan Leonel – As FARC, por princípio, condenam os sequestros como forma de fazer política. Isso consta dos nossos documentos. Entretanto, ocorreram acontecimentos que, manipulados pela comunicação e pelos nossos inimigos, contribuíram para que muita gente visse em nós sequestradores profissionais. Fazemos o que está ao nosso alcance para restabelecer a verdade. Em primeiro lugar recordo que as FARC capturam militares em combate, bem como polícias e membros dos serviços de inteligência.
Até 1997 esses militares capturados eram por nós entregues aos sacerdotes das povoações, aos presidentes das câmaras municipais ou à Cruz Vermelha Internacional. Quando feridos, eram tratados e somente depois entregues. Que ocorria? Os militares eram julgados pelo poder por traição e desobediência.
Em 1996 capturámos 60 militares e 10 polícias. Todos foram entregues a representantes da comunidade internacional, da Cruz Vermelha e a personalidades nacionais e internacionais. Ao proceder assim, pretendíamos mostrar ao mundo que na Colômbia existia um conflito social, político e armado, conflito que não era reconhecido pelo governo. Não pedíamos absolutamente nada em troca; pretendíamos apenas ao entregá-los chamar a atenção da comunidade internacional. O governo de Ernesto Samper demorou nove meses para aceitar receber os prisioneiros de guerra e iniciou uma campanha, afirmando que se tratava de militares sequestrados, quando na realidade haviam sido capturados em combate. Mentiu-se ao mundo e ao país ao dizer que tinham sido enterrados até ao pescoço e torturados. Essas calúnias somente se revelaram quando finalmente os 70 militares e polícias presos foram entregues à Cruz Vermelha no município de Cartagena del Chairá. Mas no estrangeiro a ideia de que tinham sido sequestrados ficou gravada na mente de muitas pessoas.
Durante os anos de 97, 98 e 99 foram capturados em combate pelas FARC 500 militares e polícias. Propusemos então um acordo de troca de prisioneiros. Entregaríamos esses 500 prisioneiros e o governo libertaria todos os guerrilheiros encarcerados nos seus presídios, uns 450 ou 500. Não pedíamos dinheiro, unicamente pedíamos uma troca de prisioneiros.
O governo de Andres Pastrana negou-se então sistematicamente a aceitar o Intercâmbio Humanitário.
Em 2000 a situação alterou-se. Foi possível um Intercâmbio. Desigual. Libertamos 43 prisioneiros e em troca o governo libertou apenas 14 guerrilheiros. Mas ficou claro que era possível tornar a guerra menos cruel.
Posteriormente, as FARC, em gesto unilateral, libertaram 350 soldados e polícias, numa demonstração de boa vontade. Ficaram em nosso poder somente os oficiais e sub oficiais.
A resposta do governo foi uma campanha de difamação, afirmando que as FARC tinham libertado 350 sequestrados e exigiu que libertassem todos os outros ainda em seu poder.
Os meios de comunicação sempre se referiram aos militares presos como sequestrados. O que significa isso? Se somos nós a capturar, os soldados são sequestrados; se são eles a capturar, os guerrilheiros são terroristas.
Segunda questão. Perante a impossibilidade de concretizar um Acordo, as FARC passaram a fazer reféns políticos, como senadores, deputados e uma candidata à Presidência, Ingrid Bettancourt. O objectivo era exercer pressão para um novo Intercâmbio Humanitário. Essa situação não é inédita. Temos um precedente na Nicarágua durante a luta contra Somoza.
Mas o Estado colombiano esqueceu a sua própria gente, deixando os prisioneiros capturados permanecerem na montanha durante anos. Entretanto, desenvolveu campanhas caluniosas insistindo em que os prisioneiros haviam sido sequestrados, quando na realidade se tratava de reféns. Hoje como ontem não pedimos dinheiro, mas apenas uma troca de reféns por revolucionário prisioneiros, como acontece em qualquer guerra. Mas a crueldade não ficou por aí. O governo de Álvaro Uribe ordenou que se localizassem e assassinassem os reféns detidos. Isso já aconteceu com 11 deputados do Departamento de Valle que estavam em poder das FARC. No dia 18 de Junho um comando de tropas especiais localizou e assassinou esses deputados com o objectivo de culpabilizar as FARC. A mesma ordem foi emitida no que se refere a outros reféns, incluindo os três cidadãos dos Estados Unidos e membros da CIA e que foram capturados num avião abatido pelas FARC.
Em terceiro lugar, julgo útil lembrar que desde o governo de César Gavíria, o Estado estabeleceu o chamado imposto de guerra. Trata-se de um imposto que visou não o financiamento da guerra mas o assassínio de milhares dirigentes e políticos de esquerda, de sindicalistas, representantes do Poder Local, cooperativistas e camponeses.
As FARC promulgaram então a Lei 002, ao abrigo da qual os cidadãos que obtenham lucros superiores a um milhão de dólares devem pagar um imposto de 10% à guerrilha. A maioria paga esse imposto, mas alguns, pressionados por militares, em vez de pagarem, organizaram grupos de paramilitares para combater a insurgente e matar camponeses. Esses milionários faltosos são detidos e obrigados a pagar o imposto acrescido de juros e multa.
É obvio que esta situação desagrada muito à burguesia que promove contra as FARC campanhas de difamação a nível internacional, afirmando que as FARC se dedicam ao sequestro e ao narcotráfico. Com frequência avaliam em 3.000 o numero de sequestrados. Alguns autores falam de 6.000. Já imaginou os meios humanos que seriam necessários para manter 6.000 prisioneiros nas montanhas? Não sobraria ninguém para combater…
Enfim, agradeço a sua pergunta, porque ela permite na resposta desmontar as campanhas que pelo mundo fora apresentam as FARC como um bando de sequestradores de civis.
Entrevista completa em O Diário, visto na Periferia do Império.
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