Artigo de Juremir Machado da Silva, publicado no Correio do Povo de 10 de fevereiro de 2008.
”Há quem jure que estou implicando com os pobres dos brancos. Na verdade, eu só estou numa fase infantil. Tenho mil perguntas para fazer. Exemplos: por que os desfiles de 7 de setembro e de 20 de setembro acontecem no Centro de Porto Alegre e o Carnaval foi escondido no Porto Seco? Por que o acampamento dos gauchinhos, com seus cavalos, gaitas e outros ruídos, mesmo durando umas três semanas, é no Harmonia, enquanto as escolas de samba se apresentam lá longe? Por que não unificar todos os nossos desfiles no Porto Seco? Por que Porto Alegre é uma das poucas capitais brasileiras que afastou completamente o Carnaval do Centro da cidade? Respostas, por favor.
A ditadura militar brasileira escondeu as universidades públicas na periferia. Os estudantes faziam muito barulho no centro das metrópoles. A maioria das grandes cidades brasileiras orgulha-se do Carnaval, um dos nossos melhores produtos de exportação. Será que Porto Alegre se envergonha do seu Carnaval? Unificar os nossos desfiles no Porto Seco seria muito vantajoso: gaúchos do Interior e estudantes de bairros chiques aproveitariam para conhecer a vida na periferia da capital gaúcha. Funcionaria como uma expedição antropológica. No Centro de Porto Alegre pode-se marchar a pé ou a cavalo. Mas não se pode sambar. Será que é por causa da nossa histórica falta de jogo de cintura?
A turma do 20 de Setembro comemora uma guerra que perdemos em cujas batalhas os negros iam na frente como bucha de canhão. Um bom enredo para uma escola de samba, em parceria com algum piquete gauchesco, seria a Batalha de Porongos. Lembram-se da Batalha de Porongos? É uma história edificante e dramática do final da Revolução Farroupilha. Cerca de cem homens do corpo de lanceiros negros, integrantes das tropas de David Canabarro, foram massacrados, de mãos livres, pelas forças de Francisco Pedro de Abreu. Uma carta do Barão de Caxias avisava Francisco Pedro de que tudo havia sido combinado com Canabarro para que os negros estivessem devidamente desarmados no momento do ataque. Não é carnavalesco?
Ensina muito sobre o Brasil. A guerra estava no fim. O acordo já estava costurado. A questão essencial era: o que fazer com os negros? Eles queriam liberdade. Isso provocaria um movimento abolicionista no Império inteiro. Não seria um bom negócio. Os brancos temiam que os negros formassem bandos de malfeitores. Por que será que os brancos sempre temem que os negros se tornem bandidos? Resultado genuinamente nacional: a autenticidade da carta foi contestada. O Império, feita a paz, arquivou o processo contra David Canabarro. Todas as nossas práticas de hoje já estavam perfeitamente desenvolvidas nesse episódio. Não dá samba? Por que não existem dezenas de filmes e centenas de livros sobre Porongos? São temas conhecidos, mas explorados com estranho comedimento.
A Batalha de Porongos e as degolas recíprocas da Revolução Federalista (1893-1895) são os acontecimentos mais extraordinários da história do Rio Grande do Sul. Hollywood já teria feito uns 15 épicos com esse material nebuloso e instigante. As degolas poderiam ser tratadas como um método ecológico, limpo, revolucionário e barato de eliminar adversários. Será que continuamos querendo esconder Porongos e as degolas como estamos fazendo com o Carnaval do Porto Seco? Ou estou ficando louco?”
5 comentários:
Texto muito pertinente!
Perfeito. É isto.
O projeto da prefeitura era fazer uma pista de eventos, um sambo-cavalódromo, para concentrar todos estes eventos. Mas os leitores e os patrões do Juremir boicotaram.
Apenas uma correção: os lanceiros negros não foram massacrados em Porongos mas em um ataque suicida, em batalha no norte do Estado, comandado pelo Cel. Teixeira Nunes, que havia notado a armadilha e para lá se deslocado.
Em Porongos quem foi massacrada foi a infantaria negra dos Farrapos.
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