1.
Sexta-feira, 12 de outubro de 2007, 9 horas da noite. Parada de ônibus em frente ao Shopping Praia de Belas. A mulher ergue a mão. O táxi-lotação pára.
- Moço, passa na Cavalhada?
- Passa.
A mulher entra. Junta-se a duas outras que já estavam no veículo.
Nova parada. Sobe um jovem de tênis, bermuda, abrigo, a cabeça coberta por um capuz, as mãos nos bolsos. Senta no último banco.
A mulher se assusta. “É assaltante. Vai assaltar”.
Ela está certa.
O rapaz levanta. Vai até o motorista. Exibe o revólver calibre 38. Anuncia:
- Não quero machucar ninguém. Só quero dinheiro, celular e relógios. Vamos lá, rápido.
Pega o dinheiro e o relógio do motorista.
A mulher, à beira de um ataque de nervos, abre a bolsa em busca da carteira para atender a ordem do meliante. Na pressa, o celular cai. O bandido vê.
- Filha da puta! Querendo esconder o celular, sua vaca! Vou te fuder!, diz furioso.
Encosta o cano do revólver na cabeça da mulher. Ela treme. “Vou morrer, ele vai me matar”.
- Calma moço, calma – implora. Caiu sem querer. Toma, pode levar tudo.
Ele leva as bolsas das três mulheres. Desce e sobe na garupa de uma das duas motos que acompanhavam o lotação. O chofer ainda pede:
- Pô, cara, devolve os documentos.
As mulheres declinam a gentileza:
- Deixa pra lá. Fecha a porta e toca esta merda!
***
2.
Bairro Cristal, 35ª Delegacia de Polícia.
A porta está fechada. O chofer bate com os punhos fechados, esmurra, grita pedindo a presença de alguém. Abre-se uma fresta. Um policial com cara de poucos amigos pergunta:
- O que é?
- Fomos assaltadas. Queremos prestar queixa, diz a mulher.
Entram. O homem da lei diz que precisam esperar um pouco, pois está jantando. Há movimento nos fundos do prédio. Risos, vozes.
- Não. Estamos muito nervosas, queremos fazer a ocorrência e ir logo para a casa, diz a mulher.
O homem emite um muxoxo e sai.
- Já volto.
Retorna com um copo plástico cheio cerveja numa das mãos. Na outra um prato com salada de maionese, salsichão e um naco de costela gorda.
Enquanto registra a queixa, chega um homem vindo da rua.
- E aí Peçanha, tudo bem?
- E aí, Waltinho? Chega lá nos fundos, o pessoal tá fazendo churrasco.
- Opa, legal. Quem tá aí?
- A turma toda. As gurias também vieram, a Rose, a Lu, a Martinha...
- Beleza. Tu vai demorar?
- Não. Já tô terminando aqui.
Concluída a tarefa, entre uma garfada, um gole de cerveja e uma batucada no teclado do computador, o servidor público dá uma cópia do Boletim de Ocorrência para cada uma das mulheres:
- Na próxima vez em que saírem à noite andem de táxi. É mais caro, mas é mais seguro - aconselha o servidor público pago para servir e proteger a sociedade.
Displicente, deixa claro que nada será feito para tentar prender o bandido e reaver os pertences roubados.
Nesta noite, pelo menos, não. É noite de festa.
***
(*) Ah, sim, não saiu no jornal.
Afinal, "a dor da gente não sai no jornal" (Luis Reis / Haroldo Barbosa - Chico cantou, muito tempo depois).
Da Toca do Jens.
Um comentário:
estou aguardando as próximas eleições para ver se mantenho minha fé na humanidade
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