domingo, 9 de março de 2008

Latifúndio, eucaliptos e os excluídos da terra


Em decorrência do protesto das campesinas no eucaliptal da Stora Enso, muitas coisas foram faladas, vistas e debatidas. Muitas versões do ocorrido nesta região correram o país e o mundo, entretanto se faz imperativo ressaltar alguns aspectos aqui na campanha e fronteira do Rio Grande principalmente para quem não conhece estas bandas. Inicialmente é bom esclarecer que esta fazenda de eucaliptos da Stora Enzo fica no município de Rosário do Sul, e não sei qual foi à cabeça iluminada que decidiu trazer as manifestantes para Livramento que fica distante 80 km da referida fazenda. Aqui neste pampa, partindo de Livramento temos que rodar 100 km entre campos praticamente vazios (latifúndios) para chegar à cidade mais próxima. A fazenda que foi ocupada simbolicamente tem mais de 2 mil hectares e segundo a empresa emprega 120 pessoas (?), na época da criação de gado apenas 3 empregos eram gerados. Mesmo com estes números representantes dos latifúndios defendem ardorosamente as papeleiras. Para termos uma idéia clara do que estamos falando, observemos alguns números oficiais. Livramento tem uma área territorial de 7 mil km² e de acordo com dados do escritório regional da Emater, Livramento possuía em 2003 exatamente 3.218 propriedades rurais. Desse total, apenas 185 propriedades, ou seja, 5,7% delas ocupavam modestamente 54% da área total do município. Mais da metade do território santanense. Isso é o que se denomina conceitualmente de latifúndio, concentrador de terra e renda, fator de esvaziamento do meio rural, e entrave para um processo de desenvolvimento econômico. Aliás, não há um único lugar hegemonizado pela orientação política dessa burguesia agrária que não esteja atolado em uma crise econômica. O modelo faliu, e sobre as suas ruínas é preciso construir o novo que não é a monocultura do eucalipto. Por outro lado, temos 2.357 propriedades, que representam 73% delas, ocupando apenas 9,1% da área total do município. Portanto a maioria são pequenos e médios pecuaristas, alguns praticamente inviabilizados pelo tipo de uso que fazem da terra, esse público infelizmente está sob o guarda-chuva político e cultural do latifúndio. Aproveito para republicar parte de uma postagem que fiz sobre o tema em agosto ou setembro passado, pois é bom quando se fala de algo tão importante com fundamentação e números oficiais, em que pese que pouquíssimas ou quase nenhuma pessoa reflita sobre estes números que são absurdos desde sempre. Observem que 185 pessoas são proprietárias de mais da metade da cidade de Livramento, ou seja, 185 pessoas possuem mais de 3.500 km², Para se ter uma idéia do tamanho destas propriedades caberiam neste espaço 10 das 20 cidades mais ricas do Estado, ou centenas de municípios do norte e noroeste do Rio Grande onde predominam as pequenas propriedades e região mais desenvolvida, com mais alto IDH, com maior renda per capita e melhor distribuição de renda e geradora de milhares de empregos, seja através da agricultura e pecuária de pequeno porte seja na indústria. Difícil é ver pessoas e a “mídia” falando disso de forma imparcial, sem preconceito e sem viés ideológico. Reforma agrária é um daqueles temas invisíveis, como são invisíveis os seus protagonistas. Só aparece como caso de polícia, carregado de preconceito e de um viés ideológico fora do tempo, quando, na verdade, deveria ser tratada como ponto crítico entre aqueles, como a educação, que emperram a superação dos obstáculos para o verdadeiro desenvolvimento que a sociedade obviamente almeja. Esta proposta das papeleiras financiadoras da “governadora” que propõem como redenção da metade sul a plantação de eucaliptos além de acabar com o bioma pampa nada muda, aliás, no meu entendimento a única coisa que muda é a diversificação do latifúndio. Teremos o latifúndio dos eucaliptos que pretendem comprar mais de 100 mil Hectares por estas bandas e o dos grandes pecuaristas e suas vaquinhas. Nada contra os bichinhos, entretanto comparando os dois modelos de latifúndio, sabe o que muda do ponto de vista social amigo leitor? Nada. Absolutamente nada. Pois qualquer padaria, loja ou prestadores de serviços geram muito mais empregos do que uma propriedade rural de 5 ou 10 mil hectares. Imperativo dizer que comércio e serviços respondem por quase 80% de nosso PIB municipal, e que a prefeitura municipal continua sendo a maior empregadora na cidade. Indicadores cruéis de nossa decadência como sociedade. Triste sina.


Texto do blog do Gilmar da Rosa.


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