quarta-feira, 5 de março de 2008

Crise e o fantasma norte-americano

Crise e o fantasma norte-americano

Antonio Morales Riveira
Bogotá, Colômbia

Se nas duas últimas semanas as notícias relacionadas com o conflito colombiano apareciam diariamente a cada tiro disparado, neste fim de semana elas vieram em rajada, como a própria guerra, para causar a mais grave crise internacional das últimas décadas na América Latina e a mais difícil para a Colômbia desde 1936, durante a guerra amazônica contra o Peru.

Morte do comandante Raúl Reyes das Farc num ataque da Força Aérea Colombiana em território equatoriano, protesto equatoriano, pedido de desculpas do chanceler colombiano, fechamento de embaixadas em Bogotá por parte da Venezuela e Equador, envio de tropas às fronteiras colombianas ordenado por Hugo Chávez e Rafael Correa, recusa da Colômbia em enviar suas tropas às fronteiras, acusações colombianas de conivência do governo equatoriano com as Farc e financiamento da Venezuela à guerrilha, declarações de alguns países da América Latina e Europa condenando a violação da soberania equatoriana por parte da Colômbia, sinais de que a Colômbia quer transformar-se na Israel da América do Sul, declarações de outros Estados pedindo sensatez, intervenção iminente da OEA (Organização dos Estados Americanos) e das Nações Unidas...

No meio do vendaval de notícias cada vez mais graves e desestabilizadoras, e exemplos de uma polarização e, sobretudo, de uma internacionalização do conflito armado colombiano, tratar de observar e analisar objetivamente este imbróglio configura-se uma tarefa árdua. Vamos por partes...

Colombia-Equador:
A morte em território equatoriano de Raúl Reyes foi o detonador de uma crise que já dura meses com diversos protestos equatorianos por intervenções colombianas e exigências colombianas de que o Equador entenda em sua fronteira a necessidade da guerra contra as Farc. Era evidente que várias frentes das Farc tinham acampamentos de refúgio do lado equatoriano, e que operavam na Colômbia a partir daí. O fato de haver detectado a presencia de Reyes num desses acampamentos implicou a decisão colombiana de atacar território estrangeiro.

O governo de Bogotá havia pensado nas prováveis reações do esquerdista Correa, aproveitando a fragilidade do governo equatoriano em relação à Colômbia e, sobretudo, aos Estados Unidos, o sócio bélico de Álvaro Uribe. Bogotá considerou que mais uma vez poderia amenizar a situação com o pedido de desculpas e preconizando o combate ao terrorismo. Mas não contava com a intervenção e a influência de Hugo Chávez.

Quando o exército equatoriano se deu conta das dimensões do ataque, Correa lançou sua nota de protesto. Mas Correa também não contava com o recolhimento do computador de Raúl Reyes junto com o cadáver do líder guerrilheiro, onde a polícia colombiana encontrou informações que comprovam provas de cumplicidade do governo equatoriano com as Farc e dão conta de reuniões entre o Ministro de Segurança, Gustavo Larrea, com o próprio Reyes. Ante o fechamento da embaixada em Bogotá, o governo colombiano respondeu com essa denúncia, a qual a Colômbia promete levar a tribunais internacionais como prova do apoio equatoriano ao grupo terrorista.

Da mesma forma, o Equador anunciou que formalizará queixas internacionais devido à invasão de tropas colombianas e à violação a sua soberania. Sem dúvida, a situação é complexa, mas o problema com o Equador necessariamente deveria ser resolvido mediante a ponderada intervenção e conciliação da comunidade latino-americana. Contudo, Correa optou por pela ruidosa ruptura de relações diplomáticas com a Colômbia. Presumia-se que a Colômbia não atacaria mais no Equador e que Quito se comprometeria pelo menos a não ver com bons olhos as Farc, um acordo em papel que de qualquer forma, e dada a fragilidade da fronteira ocupada em boa parte pelas Farc, poderia ser rasgada após outro incidente. Mas não, as coisas se precipitaram. O governo Correa pode ficar mal visto em seu próprio país, onde a oposição está atenta a seus equívocos.

Colombia-Venezuela:
Este sim é um verdadeiro problema de extrema complexidade binacional geopolítica e internacional, e que não parece ter solução no curto prazo, diferente do incidente com o Equador, apesar do recente agravamento do caso. Do ponto de vista prático, não houve nenhum incidente territorial entre Colômbia e Venezuela, mas ainda assim os confrontos entre Uribe e Chávez, e a investida de domingo do presidente venezuelano contra Uribe e suas decisões belicistas, tornaram o assunto muito mais delicado. Após o ataque ao Equador, Chávez saiu abertamente em defesa de Correa, o convenceu a retirar seu embaixador de Bogotá, fechou sua própria embaixada e mobilizou tropas na fronteira. Ainda mais grave para o governo colombiano, Correa expressou pesar pela morte de Reyes e, dessa forma, seu apoio implícito às Farc. Esse será, sem dúvida, o campo de batalha de Uribe, que defenderá a legitimidade de seus ataques irregulares junto à comunidade internacional: dois estados que apóiam o terrorismo não podem ter razão.

No âmbito puramente militar, após a decisão de Chávez em mover seus tanques até a fronteira colombiana, não parece haver perigo iminente de incidentes ou confrontos. Nem Chávez quer nem o exército colombiano está na fronteira, e nem será deslocado até lá, já que está mais ocupado combatendo as Farc nas montanhas, nas selvas, nos vales e nas cidades. Mas ainda que Chávez mostre os dentes e Uribe também, é o elemento Farc, como em todo o assunto, o que pode tornar as decisões e causar problemas. Não é difícil que em uma fronteira comum de 1.600 km haver confrontos e fugas em direção à Venezuela (onde supõe-se que as Farc também tenham acampamentos). Tampouco é difícil que as não raras vezes em que as tropas colombianas passem para a Venezuela perseguindo a tiros guerrilheiros das Farc, como já ocorreu.

Nesse cenário, um incidente seria possível sim e suas conseqüências imensuráveis para os dois países. Por outro lado, se especula na Colômbia a possibilidade de que o líder máximo dos guerrilheiros, Manuel Marulanda, esteja na Venezuela, próximo ao território colombiano, protegido, assim como acreditam que Reyes estava no Equador. Seria este o pano de fundo da postura de Chávez? Ele estaria mandando um recado a Uribe: "nem pense em vir aqui em busca de Marulanda pois isso equivale a guerra"?

A saber que a Colômbia, apesar de ter um experiente exército de 300 mil soldados frente aos 50 mil da Venezuela, não possui um só tanque de guerra frente a 300 venezuelanos, tem quatro velhas corvetas frente a uma renovada frota venezuelana, lhe restam uma dezena de velhos aviões supersônicos praticamente inoperáveis frente às esquadrilhas de Suhkoi venezuelanos. E apenas conta com uma superioridade em matéria de helicópteros. Além disso, cem por cento das tropas está comprometida com o conflito interno.

Chávez sabe e as Farc quiseram desviar para outros cenários o exército colombiano para se livrarem da pessão que sofrem. Mas a Colômbia contaria com o apoio quase imediato dos Estados Unidos. É evidente que as decisões de Uribe naturalmente passem por Washington. De tal maneira e sabendo que o gringo sempre esteve aí, é melhor para todos que os insultos e provocações de lado a lado cessem e sigamos nossa paz armada entre irmãos que se mostram os dentes.

Além disso, a Colômbia vende anualmente à Venezeual 6 bilhões de dólares em mercadorias e a Venezuela vive com boa parte dos produtos da agricultura colombiana. Se a economia ainda rege a história comum, é bem improvável que de um lado ou de outro se queiram meter em tão cara aventura. Virão depois as reuniões da OEA e até das Nações Unidas, seguramente um acordo com o Equador e a volta do embaixador. O problema com Chávez persistirá, os seqüestrados não voltarão a ser libertados unilateralmente, o Acordo Humanitário ficará para outros tempos e as relações entre os dois países, enquanto Uribe e Chávez estiverem no poder, sempre estarão por um fio.

Com a Venezuela, a internacionalização do conflito - com o papel sempre relevante dos Estados Unidos - passa pelo confronto Chávez-Bush, por causa do petróleo, do Irã...Por sorte hoje os gringos estão se dedicando à escolha de um novo presidente e Bush não quer meter demasiadamente o nariz neste assunto. Mas quando já tiverem escolhido seu novo governo, que medo!

Terra Magazine


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