Experiência pessoal é fogo. Em Miami, no aeroporto, pós-11 de setembro, um senhor verifica meu passaporte, vê minha foto com barba, olha meu rosto escanhoado e me pede para que saia da fila. Me encaminha até um grupo de policiais mal-encarados, que, educadamente, verificam minha bagagem de mão, pedem para que eu me sente em um banquinho, passam delicadamente um aparelho detetor de sei lá o que pelas minhas pernas. Uma moça me pergunta o que é um pacotinho que trago na mala. São palhetas para saxofone, explico. "Ah, o senhor toca saxofone?", diz, sorridente. "Se eu respondesse que sim, na frente de algum vizinho, ele lhe diria indignado que não, de maneira nenhuma", respondi. Os policiais, riem, me devolvem passaporte, pertences, e me liberam, com um pedido de desculpas pelo transtorno.
Madri, 1992. Policiais mal-encarados me detém, com minha mulher, no desembarque, no aeroporto de Barajas. Nem olham para mim, e pedem rispidamente para que minha mulhar acompanhe uma policial até não sei onde. Espero, sob a vigilância de um sujeito mal-encarado e mal barbeado, enquanto minha mulher, como me contou depois, era submetida a uma revista minuciosa, de alcance ginecológico. Não encontram o que quer que esperassem encontrar no estranho _ para eles _ casal brasileiro, ele barbudo com cara de iraniano ou descendente árabe sul-americano; ela branquíssima, ruiva e de olhos verdes. Nos liberam sem um comentário, um cumprimento, contrafeitos. Voltei depois à Espanha, nunca mais tive problemas. Pretendo voltar.
Mas, sei lá se não escapei de sofrer a indignidade a que o governo da Espanha vem submetendo brasileiros hoje em dia, por "não se enquadrarem nos critérios da União Européia". Aparentemente esses critérios são, atualmente: não ser mulher de pele escura, nem ser jovem aventureiro sem 70 euros para cada dia que pretende ficar em continente europeu, e ter dinheiro para hospedar-se em hotéis. Só que não adianta cumprir os requisitos, se o brasileiro em viagem simplesmente provocar, no policial de plantão, a amargura de alma que o magnífico _ ainda que amigo de facistas _ espanhol Ortega y Gasset via nos conterrâneos, cuja "moradia íntima", dizia ele, "foi tomada há tempo pelo ódio, que vive ali artilhado, movendo guerra ao mundo". O policial da imigração tem poder para te arrebentar a viagem, se não for com sua cara. E, a Espanha, eles não têm ido com a cara de gente a pampa.
No caso, a guerra espanhola não é contra o mundo, como exagerava o filósofo, mas contra o que seus sabujos da Imigração acreditam ser a escória do mundo, os brasileiros e outros latinos que chegam à Europa, muitos deles , invertendo o fluxo que, no século passado, levou centenas de milhares de espanhóis a buscarem melhores oportunidades de vida na América Latina.
Retaliar, barrando turistas espanhóis que vêm ao Brasil só criará problemas para os pobres coitados da classe média espanhola que, contra todos os preconceitos e avisos sobre a violência nas cidades brasileiras, acreditaram que aqui há belezas naturais e gente simpática. Há outro tipo de espanhol que levaria mais eficientemente a mensagem de desagrado do Brasil ao governo da Espanha.
Ora, não há classe com maior acesso aos corredores do poder que a emprsarial. E os empresários espanhóis estão aqui, ao nosso lado, contentes com as oportunidades do mercado brasileiro, dispostos a satisfazer as necessidades do consumidor brasileiro; certamente tão sensíveis quanto nós às maldades feitas por oficiais de imigração, que tratam turistas ou sonhadores brasileiros como lixo, trancados sem seus telefones celulares em salas sem alimentação, sem condições decentes de higiene, sob tortura psicológica.
Falar com embaixador adianta pouco. Além do desgosto de ouvir uma explicação cínica, quem manda nesse assunto não é o ministério de Relações Exteriores, mas o do Interior. Que, aparentemente, não se preocupa com um punhado de basbaques do terceiro mundo que, vejam só, querem fazer turismo, ou, pretensão das pretensões, apresentar trabalhos em algum congresso europeu. Os diplomatas sérios da Espanha devem estar constrangidos, mas pouco fazem além de entrar numa disputa de burocracias por lá. Já os empresários, as empresas, essas têm acesso, e voz grossa.
No Brasil, os espanhóis, hoje, estão estão na aviação (Ibéria), no setor bancário (Santander, BBVA), no mercado editorial (Planeta, Alfaguara, Editora Moderna-Santillana), hotéis (Sol-Melliá), na telefonia (Telefónica, de péssimo desempenho, aliás, nos Procons da vida), e em muitos setores mais.. Em meu modesto papel de moderadíssimo consumidor, fico imaginando o que aconteceria se eu me abstivese de consumir produtos espanhóis ou de empresas espanholas enquanto a Espanha não mostrar que, em seu legítimo direito de conter a crescente onda de imigração para a Europa, pode tratar os brasileiros como gente, e não como escória. Fico imaginando o que aconteceria se muitos outros brasileiros passassem a fazer o mesmo.
Outro texto do Sérgio Léo, agora do Sítio. Este editor também recomenda seguir o linque do Sérgio Léo ao G1. Se você não seguiu, ainda tem chance de conferir o texto do G1, clicando aqui.
2 comentários:
O que fazer se a polícia de imigração espanhola está barrando os brasileiros devido ao aumento de 400% no número de imigrantes brasileiros nos últimos quatro anos. Além disso, houve detenções de máfias russas e ucranianas que exploravam brasileiras no mercado sexual. Outro tema importante: foi descoberta uma máfia brasileira em Madri que vendia RGs portugueses falsos". Depois, emenda com outros casos envolvendo brasileiros. Fonte Clóvis Rossi da Folha que está em Madri.
Certo, Maia. É mais importante para ti justificar a atitude espanhola, que ser solidário aos compatriotas, que não eram criminosos, e como criminosos foram tratados.
Postar um comentário