ERA UMA TROPA DE ELITE . No último dia 28, sob o comando de Carlos Minc, secretário do Ambiente do governo do Rio de Janeiro, um combinado de fiscais, peritos e policiais subiu a encosta do morro Dois Irmãos e entrou na favela da Chácara do Céu. Na véspera, Minc sobrevoara o morro num helicóptero.
A tropa de ambientalistas procurava a espantosa expansão da favela sobre as matas do Parque Natural Penhasco Dois Irmãos. Os bárbaros ameaçavam os moradores do Alto Leblon. Temia-se até mesmo que traficantes da Rocinha ("fábrica de marginais", segundo o governador Sérgio Cabral) estivessem mercadejando na comunidade. Constatou-se que não acontecera expansão alguma. (Minc trazia consigo uma fotografia aérea, tirada em 2004.) Há no morro umas 200 casas. Delas, 21 estão acima da cota de 100 metros sobre o nível do mar, linha a partir da qual é proibido edificar. Como são todas antigas, não poderão se expandir, nem deverão ser derrubadas. Seria absurdo pensar que tantas autoridades subam a uma favela para não encontrar nada de errado. Havia a obra de um puxadinho, com uns 20 metros quadrados. Como o dono não estava lá, demoliram-no. Salvaram-se assim a mata atlântica e a paz do Leblon.
A expansão da favela fora produto de uma alucinação demofóbica. Tudo poderia ficar reduzido à Batalha do Puxadinho se não aparecesse um cidadão com uma lembrança: e a quadra de tênis? Que quadra? A de um condomínio do Alto Leblon, logo ali, a 200 metros do alto da favela.
Bingo. Lá estava a quadra de tênis, construída acima da cota cem. (Quem quiser vê-la pode ir ao Google Earth na posição 22º59'16" sul e 43º14'06" oeste. Vêem-se ainda outras quatro quadras e três piscinas, mas não se pode dizer que haja algo de errado com elas.) Segundo a Secretaria do Ambiente, o condomínio "Quinta e Quintais" anexou um pedaço da mata. O síndico da propriedade explicou que a quadra, construída em 1979, é anterior à criação do parque e os moradores pagam R$ 2,3 mil por mês à prefeitura pela ocupação do terreno.
Foram procurar a invasão do andar de baixo e acharam a do andar de cima. O condomínio ocupa uns mil metros quadrados de espaço público e a Viúva recebe R$ 2,30 por metro. Admitindo-se que uma família pobre do Rio de Janeiro vive confortavelmente num lote de 50 metros metros quadrados, governo e prefeitura poderiam oferecer terrenos à patuléia R$ 115 mensais por cada lote.
Suponha-se que a brigada ambiental tivesse encontrado dez construções ilegais. Pior, que alguns desses imóveis se destinassem ao lazer e à valorização das casas vizinhas. Uma pista de skate ou um galpão de pagode. Seria o suficiente para excitar a demonologia demófoba: não pagam IPTU, têm aquela vista, moram perto do trabalho e ainda querem se divertir. Aborto neles. Acharam a quadra de tênis, mas o assunto ficou para depois. Afinal de contas, há toda uma gestação burocrática a cumprir. Enquanto não se descasca o abacaxi da quadra, ela poderia ser franqueada aos demais moradores.
A barbárie não se expandira. Entrou um pouco de poesia no surto demófobo. Na voz do egípcio Constantino Kavafis:
"E agora, que será de nós sem os bárbaros? De certo modo, essa gente era uma solução".
Trecho da coluna do Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, 06/01/2008 (para assinantes).
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